Retirado de: http://anarquismosp.org/2015/12/04/luta-e-organizacao-na-ocupacao-das-escolas-em-sao-paulo/
Em resposta ao projeto de “reorganização escolar” do governo do estado de São Paulo, que previa, dentre outras medidas, o fechamento de 94 escolas, teve início um processo de luta e organização dos estudantes com a ocupação de escolas. Começando entre 9 e 10 de novembro com a Escola Estadual Diadema (Diadema – SP) e a Escola Estadual Fernão Dias Paes (São Paulo – SP), o processo teve continuidade com uma sequência de mobilização e novas ocupações, que envolveu mais de 220 escolas em menos de 20 dias e se alastrou na capital e em outras cidades do estado. Depois de uma série de ações de rua, que contou com marchas e trancamentos de vias públicas, e sofrendo enorme repressão por parte do governo, houve, enfim, um recuo por parte do inimigo.
O projeto de “reorganização escolar” e as ocupações de escolas
No Brasil, o sucateamento da educação pública não é novidade. Inclusive, há significativa contribuição da esfera federal para tanto, contrariando o mito da “pátria educadora” do governo Dilma Rousseff (PT). Essa precarização se estende pelo país, marcando estados e municípios, independente das siglas no poder.
O estado de São Paulo foi escolhido como base para uma experiência “reorganizativa”, proposta pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB), e que deve depois ser estendida para outros estados. A proposta de reorganização tem como eixo central a divisão das escolas por ciclos: Fundamental I, Fundamental II e Médio. O fechamento das escolas é uma das consequências imediatas desta proposta.
Se realizada, a reorganização escolar terá grande impacto na vida de muitas pessoas (por exemplo, o governo fala na transferência de 340 mil alunos) e, mesmo assim, até o momento não foi discutida com alunos, pais, professores, funcionários e comunidade.
Os envolvidos sofrerão gravemente, especialmente com os problemas de logística e vínculos. Os alunos terão que se deslocar ainda mais; os custos com o transporte escolar deverão aumentar; irmãos, parentes e vizinhos que vão juntos à escola (pais levando filhos, mais velhos levando mais novos) terão suas idas e voltas complicadas; laços afetivos entre a comunidade escolar serão quebrados.
Outras consequências, que contribuirão com o aumento do sucateamento da educação, são: diminuição no investimento neste setor, continuidade dos baixos salários e das condições precárias de trabalho e de estudo, incentivo ao modelo empresarial de gestão, salas de aula mais cheias, demissões de trabalhadores temporários e terceirizados (em razão da redução de aulas atribuídas e do menor número de escolas), maior probabilidade de privatização e terceirização (por meio de parcerias público-privadas e outros meios), menos e mais precários cursos noturnos e de Educação de Jovens e Adultos.
Como se isso não bastasse, o projeto da reorganização, conseguido pelo jornal Estado de São Paulo com base na lei de acesso à informação, visto que ele não era público, vem sendo altamente criticado por especialistas, não apenas pelos motivos colocados, mas inclusive pelo que diz respeito a seus aspectos técnicos.
As mais de 200 ocupações são protagonizadas, principalmente, por estudantes do Ensino Médio, que têm de 15 a 18 anos. Eram, inicialmente, estudantes das escolas que seriam fechadas, e se somaram a outros ao longo da mobilização. Ganhando muito apoio ao longo das últimas semanas e contando com o envolvimento de diferentes pessoas e organismos para além dos secundaristas e mesmo do universo escolar, as ocupações evidenciam uma heroica resistência dos estudantes ao projeto de reorganização do governo. Num cenário que não era comum pelo menos desde a ditadura, os secundaristas são protagonistas no movimento estudantil.
As ocupações são realizadas, em geral, a partir da articulação de estudantes, com apoio de professores, funcionários etc., e da tomada do espaço de ensino. Com os portões sendo trancados pelos ocupantes, as escolas se transformam imediatamente em espaços democráticos de luta. Em praticamente todas as ocupações, as decisões são tomadas em assembleias com a participação daqueles diretamente envolvidos. A hierarquia e a subserviência, características do ambiente da escola formal, são postas de lado. Tanto para a articulação da ocupação quanto para a difusão de informações, as redes sociais e os dispositivos tecnológicos são bastante usados.
Os estudantes permanecem nas escolas em acampamentos improvisados, cuidando de sua manutenção (serviços de limpeza, segurança etc.) e também de seu dia-a-dia, que inclui uma rotina bastante ativa com inúmeras atividades. Além de aulas e discussões sobre temas mais vinculados ao universo da educação formal, têm acontecido debates, exposições, atividades físicas, de lazer entre outras. Como alguns poucos exemplos da rica diversidade desta movimentada rotina, podemos citar: debates sobre a Revolta dos Pinguins chilena e a Revolução Curda que atualmente ocorre em Rojava; aulas públicas sobre a educação no Brasil e em São Paulo; formações sobre a questão de gênero e o feminismo; debates sobre formas alternativas de educação; oficinas de mídia alternativa; conversas com movimentos populares; aulas de circo, de dança, de teatro e jogos coletivos. Fora dos portões das escolas, outras ações têm sido encampadas, marcadamente as marchas pela cidade e o trancamento de ruas e avenidas.
Ocupando e resistindo desde a base!
A partir de Junho de 2013, observamos uma mudança rápida na cultura política de São Paulo, que tornou a entender que política para a transformação não se faz nas urnas, mas nas ruas. Os saldos daquela experiência estão muito presentes no atual cenário político e vão desde o fortalecimento de setores conservadores até o surgimento e o fortalecimento de movimentos autônomos.
Por um lado, Junho significou um avanço da direita, que deu as caras com mais virulência e, percebendo que não estava em baixo número, começou a radicalizar em discurso e prática. Por outro lado, entendemos que também houve progressos importantes para a luta popular. Podemos observar isso na radicalização das lutas mais recentes, como a greve dos garis no carnaval do Rio de Janeiro, a greve dos metroviários nas vésperas da Copa e, em 2015, a greve de 92 dias das professoras e professores do estado de São Paulo.
Usufruindo de aspectos relevantes do modo de operar do Movimento Passe Livre (MPL), agente central das mobilizações de Junho, jovens ocupantes têm priorizado a ação direta combativa e sustentado um processo organizativo pautado na autonomia em relação aos partidos e ao governo, assim como na forma horizontal para as tomadas de decisão.
A influência deste modelo de luta tem explicação, seja pela presença de militantes que o defendem nas ocupações, pelo trabalho de base que tem sido realizado nos últimos anos, ou mesmo pela exaustiva (ainda que muitas vezes distorcida) difusão dos princípios do MPL no contexto de Junho de 2013. Muitos dos jovens agora mobilizados se envolveram e criaram referências na luta durante os atos contra o aumento da tarifa.
A luta das ocupações tem sido inspiradora e reconfortante para todas as pessoas que desejam uma sociedade mais igualitária e libertária. A maneira como ela vem acontecendo é exemplar. Por meio de sua própria experiência, as ocupações de escolas fazem uma crítica tanto à direita conservadora quanto à esquerda burocrática e governista. E mesmo sofrendo os efeitos da guerra promovida pelo governo, com repressão e criminalização, assim como as consequências da manipulação midiática, os estudantes mostram que existe um caminho.
Se este caminho encontra na ação direta e na autonomia alguns de seus princípios organizativos, ele constitui, ao mesmo tempo, um marco que, nos termos dos zapatistas, se encontra abaixo e à esquerda. Ou seja, ele envolve um projeto de classe, dos oprimidos, que tem como horizonte a diminuição da desigualdade para os de baixo.
Entretanto, esse caminho não é aquele que a quase totalidade da esquerda tem adotado desde os anos 1980 — o das eleições, das burocracias sindicais, estudantis e, mais recentemente, do apoio ao governo. Estamos falando de um caminho de auto-organização das classes oprimidas, de protagonismo da base nas lutas, de ação direta combativa, de processos decisórios compartilhados.
Nessa estrada da luta e da organização, as ocupações de São Paulo acabaram de conquistar um recuo por parte do governo Alckmin, que anunciou que suspenderá a reorganização e discutirá com as escolas a melhor maneira de proceder. É a vitória de uma batalha no contexto de uma guerra mais ampla. Parece improvável que esse recuo seja realmente o início do engavetamento do projeto de reorganização e a vitória definitiva do movimento. Ele pode muito bem ser apenas uma estratégia do governo para desmobilizar o movimento e ganhar tempo, avançando no projeto reorganizativo mais adiante.
De qualquer maneira, entendemos que este recuo deve ser comemorado pelo movimento como uma vitória, ainda que parcial, assim como o afastamento do secretário de educação do estado Herman Voorwald, que se destacou no último período pela sua hostilidade à educação pública e aos trabalhadores em educação.
Devemos entender que não somente a vitória contra a reorganização não está garantida, mas que a luta pela educação é mais ampla e, por isso, a luta e a organização precisam continuar. As ocupações geraram faíscas que acenderam um imenso fogo de resistência em São Paulo. Agora é não deixar esse fogo apagar e tentar aumentar o incêndio. Continuar lutando e organizando, enfrentando a repressão, a difamação e impor aos inimigos outras derrotas. Que o atual movimento das ocupações e todos envolvidos possam se somar a outros setores num projeto transformador de maior envergadura! Que possam contribuir diretamente com um amplo projeto de poder popular!
Prestamos aqui todo o nosso apoio às ocupações de escolas. Pretendemos dar continuidade, ombro a ombro, aos nossos trabalhos de luta e organização, assim como à nossa constante disposição para contribuir!
Damos também nosso completo apoio à pauta unificada que foi apresentada pelo Comando das Escolas Ocupadas, em especial: o cancelamento da reorganização; nenhum fechamento de escola, sala ou ciclo; um cronograma de discussões públicas para debater de forma clara e verdadeira o sistema de ensino; punição dos policiais que reprimiram os manifestantes; nenhuma punição ou criminalização ao pais, alunos, funcionários, professores e apoiadores da luta.
Aderimos ao ato convocado pelo Comando para a próxima 4a feira, 9 de dezembro, no vão do MASP às 17h! E aproveitamos para convidar toda a companheirada para participar!
Solidariedade irrestrita às ocupações!
Lutar, criar, poder popular!
Arriba l@s que luchan!
OASL/CAB
04/12/2015