MULHER É RESISTÊNCIA NA LUTA POR VIDA DIGNA!
Entra ano, sai ano, e as condições das mulheres seguem ao descaso pelos de cima. No contexto atual, com um governo federal de extrema-direita, que destila ódio pelas “minorias históricas” e leva a cabo medidas de miséria, absurdos conservadores, perseguições e sucateamento da máquina pública, não nos faltam motivos pra seguir lutando e construindo a dignidade de nossa gente, pela esquerda e desde baixo. O Brasil é um país com dimensões continentais, que sofre ataques da mais suja corja da política institucional por todo o território, além de estar sujeito aos dissabores e desmandos de um judiciário racista, misógino, elitista e meritocrata.
A América Latina é a região mais desigual do planeta (1), consequência direta de nosso passado colonial, em que a desigualdade tem gênero e raça. O projeto imperial baseado na escravização de populações indígenas e negras, no modelo colonial de família, do homem branco heterossexual, formata o sistema no qual tudo passa a ser uma moeda econômica. A exploração econômica baseada na distribuição desigual da terra, no saque e na devastação de recursos naturais, na urbanização desordenada, num sistema desigual de arrecadação de impostos (que tributa o consumo e não a renda ou propriedade) e que muito pouco reverte em serviços para as populações, são fatores que estruturam a desigualdade do nosso povo.
Em nosso continente, os 10% mais ricos concentram uma parcela maior da renda e os 40% mais pobres recebem a menor fatia do que em qualquer outra região do mundo. A consequência é uma diferença profunda nos índices de expectativa e qualidade de vida e no acesso aos direitos mais básicos como educação, saúde, moradia, emprego e recursos.
Como reação, por toda a nossa América Latina, vimos a revolta popular acontecer no último período e sabemos que o que leva o povo pra rua é o alto custo de viver, a vida cara e violenta para quem mais luta e batalha todos os dias. É a insegurança no trabalho, a privatização dos bens comuns, a falta de moradia, saúde e educação, é o preço de se alimentar bem, do transporte coletivo, a violência desmedida aplicada pelo Estado contra quem vai às ruas para se manifestar; é a luta pela recuperação e demarcação de territórios ancestrais. Pelas ruas do Haiti, Equador, Chile se viu a mobilização de um povo forte e diverso, em que os movimentos de mulheres, assembleias populares e povos originários organizados tiveram o protagonismo das reivindicações da classe oprimida.
MULHER É RESISTÊNCIA NA LUTA CONTRA O DESEMPREGO
Dados recentes do IBGE(2) apontam que, apesar de representar 52,4% da população em idade de trabalhar, o grupo feminino responde por mais da metade do nível de desocupação. No recorte por idade, gênero e cor, jovens mulheres negras são as mais prejudicadas pelo desemprego. Essas taxas foram observadas em todas as grandes regiões. As populações negras apresentam dados de que, ainda que busquem mais por emprego (algumas chegam a esperar dois anos nas filas de vagas), têm percentual de desocupação superior à população branca em aproximadamente dois terços. As recentes Reformas Trabalhista, da Previdência e Carteira Verde Amarela, que dificultam o acesso a possibilidades de trabalho e nos condenam a trabalhar até morrer, são medidas antipopulares de aprofundamento da política neoliberal, pois “facilitam” para os empresários e retiram cada vez mais direitos do povo que busca uma forma de sustento. Esses pontos tratam apenas do trabalho formal e são um sinal de que nem a informalidade está dando conta de absorver as pessoas que perdem o trabalho, quando a precarização é forte – dentro da categoria de desemprego, existem até as pessoas que não se julgam aptas a trabalhar e por isso desistem de procurar emprego, fazendo o que podem para sobreviver. Nós mulheres também somos maioria em empregos informais(3), terceirizados, mal-remunerados e com escassa proteção dos direitos. Somos milhões de diaristas, manicures, ambulantes, motoristas de aplicativo, entregadoras, faxineiras. Com longas jornadas de trabalho, duplas e triplas jornadas e nenhuma proteção social. Sem contar o avanço conservador, que planta a semente do ódio de gênero nas mentalidades empreendedoras e difunde que “não vale a pena contratar mulheres, pois elas engravidam e têm que tirar licença maternidade remunerada”. Em resumo: a mulher tem que ser dona de casa, tem que ter filhos e ficar em casa cuidando para que o marido possa trabalhar e prover a casa – a fotografia de uma família “de bem”.
MULHER É RESISTÊNCIA NA LUTA CONTRA A VIOLÊNCIA
Em 2019, o IPEA publicou o Atlas da Violência(4), que traz dados sobre o aumento de casos de feminicídio nos estados brasileiros. Como se não fosse o suficiente, também há dados de que 60% das mulheres que vivem com seus companheiros sofrem violência doméstica, sendo 10% com casos de violência agravada. Ser mulher é ter que resistir até dentro de casa, quando o Estado legitima como crimes passionais assassinatos que não têm nada além de ódio de gênero.
Além da violência que sofremos dentro de casa, também enfrentamos a violência organizada de Estado que nos atinge seja pela ausência de serviços públicos de qualidade, seja pela mão armada de forças treinadas da PM e do Exército. Aqui fazemos memória ao assassinato de Marielle Franco, mais uma ação orquestrada entre tantas para dizimar o povo negro e pobre e para enviar um recado a todas e todos que se colocam contra o massacre desenfreado promovido nas periferias.
Se, por um lado, sofremos e vemos nossas conhecidas, amigas, irmãs, mães, filhas e vizinhas sendo submetidas a violências físicas, psicológicas e políticas cotidianamente, temos que ressaltar também o crescimento da solidariedade, dos olhares mais atenciosos a nós mesmas, que se reproduzem cada vez mais nas escolas, comunidades, universidades e sindicatos. União por meio de assembleias, espaços para denúncias, acolhimento e autocuidado, grupos que se preocupam com as necessidades básicas do lar das mulheres de baixo.
Rechaçamos os discursos tradicionais e conservadores dos poderosos e da mídia manipuladora de padrões que buscam proteger os valores familiares tradicionais, reforçando o modelo patriarcal!
MULHER É RESISTÊNCIA NA LUTA PELO ACESSO À SAÚDE
Os cuidados com a saúde também costumam ser relegados às mulheres, que cuidam de si e de familiares e dependentes. Começando pela alimentação, que é a chave da boa saúde, passando pelos cuidados com a higiene diária e, nos casos extremos, chegando aos cuidados de pessoas acamadas e que necessitam de gestão da medicação e repouso, lá estão as mulheres da comunidade, batalhando pela integridade da vida.
Os planos de saúde no Brasil e na América Latina são considerados artigos de luxo para quem pode pagar. Gastos basais de manutenção de um plano podem chegar a 46% da renda de uma família(5), sem contar o gasto com medicamentos. O Sistema Único de Saúde – modelo exclusivo no Brasil – é a mão estendida para quem não tem como arcar com a saúde privada. Ainda que sofrendo ataques de desmonte cada vez mais, como fechamento de postos, demissão de funcionários/as, cortes na compra de materiais e medicamentos, atrasos nos salários, o SUS é a forma que o povo tem para acessar a saúde e o bem-estar.
No Chile, sonho econômico dos poderosos do andar de cima, a saúde é privada, caríssima e… precária! Os postos estão sempre cheios, os quadros não melhoram e os pacientes ainda têm que pagar pelo serviço prestado. Afundam-se em dívidas impagáveis, sendo que muitos/as idosos/as, já cansados de trabalhar e sem esperança de seguir vivendo de maneira digna, cometem suicídio(6).
A vida cara para o povo brasileiro afeta ainda mais as mulheres negras e periféricas, que resistem também ao racismo institucional e às políticas de branqueamento – desde os direitos reprodutivos até tratamentos especializados. E por falar em direitos reprodutivos, o caráter nefasto do governo atual sugere explicitamente a esterilização forçada em massa de mulheres negras ou em situação de rua, com a alegação absurda de que “a esterilização de pobres e miseráveis é um recurso necessário para o combater miséria e crime”(7) e (8). Ou seja, essa é a política pública defendida para as mulheres de baixo, ao invés de saúde e educação. Do outro lado, o puritanismo conservador do Estado faz questão de retirar a autonomia dos corpos femininos, dificultando a implementação do aborto seguro, minando ideologicamente a possibilidade do debate(9)por meio de argumentos falaciosos e de viés religioso(10).
MULHER É RESISTÊNCIA NA LUTA PELA EDUCAÇÃO
O acesso à educação e a uma formação de qualidade ainda é uma realidade distante para muitas mulheres. A educação sexual e de gênero, que levamos como pauta nas lutas, foi retirada do PNE (Plano Nacional de Educação), assim como da nova BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Enquanto isso, pelo menos 184 mil casos de violência sexual contra crianças e adolescentes foram registrados entre 2011 e 2017, de acordo com boletim epidemiológico do Ministério da Saúde. Ainda, no último dado do Ministério da Saúde, consta que 72% das pessoas que sofrem violência sexual são menores, sendo que 18% são menores de 5 anos. Nós, mulheres latinoamericanas que nos levantamos pelo direito de decidir sobre nossos corpos, gritamos “educação sexual para decidir, anticonceptivos para não abortar, aborto legal e seguro para não morrer”.
Não nos restringimos somente ao aborto quando falamos em educação sexual e de gênero, mas também sobre proteção, saúde, autocuidado e cuidado com o outro. Além disso, entendemos também que a discussão é uma ferramenta para que nós, meninas e mulheres, possamos identificar as diversas violências que sofremos ao longo de nossas vidas, assim como as desigualdades que nos atravessam. Como se não bastassem esses ataques, o que o governo propõe como “educação sexual” é uma campanha ridícula e fundamentalista pautada na abstinência sexual.
Sobre os últimos números da taxa de escolaridade, muitos setores liberais e progressistas comemoraram o aumento da escolaridade de nós mulheres em relação aos homens. Todavia, ainda temos jornadas duplas e até triplas, fator que se agrava mais em relação às mulheres negras. Mesmo assim, nos instruindo por conta própria e com outras companheiras, enfrentando casos de assédio nos locais em que estamos, resistimos e avançamos.
As mulheres também são resistência na Educação Básica brasileira. Com mais de 2,2 milhões de profissionais pelo Brasil, 80% da rede é constituído por mulheres (dados do Censo Escolar da Rede Básica, INEP). As mulheres são a maioria na categoria de professores, assim como também são a maioria de trabalhadores da limpeza e merenda escolar. Nesse sentido, são essas mulheres que têm enfrentado diretamente a precarização e os ataques à Educação pública no país, que têm feito luta todo dia nas escolas das periferias, do campo e da cidade. Não podemos deixar de mencionar que, significativamente, a Educação Básica realizou diversas greves no decorrer de 2019; destacadamente, Mato Grosso e Rio Grande do Sul vivenciaram greves intensas de mais de 60 dias, com corte de salários, ameaças e perseguições. As mulheres, como maioria nessas categorias, estavam nas linhas de frente dos enfrentamentos, protagonizando as greves e defendendo a Educação Básica pública como direito. SOMOS RESISTÊNCIA NA LUTA PELA EDUCAÇÃO. Desde o movimento secundarista, nas universidades, nas escolas, nos movimentos de mulheres da floresta e do campo, lutamos por uma educação que seja autônoma, de qualidade, gratuita e libertadora.
MULHER É RESISTÊNCIA PARA ACABAR COM A FARRA DOS RICOS E A SANHA AUTORITÁRIA
Setores reformistas muito têm falado sobre o “voto feminista”. Mas nós, mulheres anarquistas, que nunca tivemos ilusões no parlamento burguês, rechaçamos esse caminho. Supor que novos “representantes” eleitos, mesmo que sejam mulheres feministas, podem promover justiça social é ingenuidade ou jogo de poder de quem opera na arena da política institucional, reformista e eleitoral. Nenhum avanço é feito se não pela pressão popular, pelo grito e pela luta das e dos de baixo. Ninguém sabe o que é melhor para nós do que nós mesmas. Os mesmos tiranos de sempre nos oprimem e retiram direitos. Os governos não passam de fantoches do mercado que usam o Estado para nos matar e lucrar, garantindo os privilégios dos ricos. O horror do sistema capitalista cruel e assassino, que destroça corpos e populações inteiras para garantir a exploração e interesses dos poucos que detêm dinheiro e poder. Nós acreditamos que todas e todos devem ter vez e voz de forma igualitária, o que não acontece quando há alguém no poder para decidir a partir de seus interesses. Acreditamos na igualdade e solidariedade entre nós mesmas.
A atual cena política está conturbada pelo confronto aberto entre Congresso e Governo, com contornos de “crise institucional”, com convocação em favor de um golpe autoritário e que conta com o apoio aberto de figuras proeminentes no governo, como o general Augusto Heleno e o próprio presidente Jair Bolsonaro. Se, por um lado, reconhecemos que a tática reformista de disputar o Estado não aponta para câmbios estruturais (ou seja, não está em jogo romper com as estruturas de dominação – econômica, racial e de gênero), por outro lado, não será com um aprofundamento da concentração do poder político nas mãos sanguinárias da milicada que as angústias do povo pobre serão solucionadas. Contra mais esse avanço conservador, que com certeza representará uma nova escalada no cerceamento das liberdades públicas e individuais (ainda mais contra nós, mulheres) a saída é uma só: a radicalização da democracia, ultrapassando os limites do fajuto sistema representativo burguês. Assim como às mulheres cabe o direito de decidir sobre nossos corpos, é direito do povo definir diretamente qual será seu futuro. Contra a sanha autoritária dos milicos e o saque dos ricos aos bens coletivos, construir uma frente das e dos oprimidos contra o modelo antipovo e de ajuste e repressão! Pelo direito popular de tomar decisões sem intermediários, pela anulação do sistema da dívida pública (que sequestra 50% do orçamento nacional para pagar o sistema financeiro), da reforma trabalhista (que cortou direitos da classe trabalhadora) da reforma da previdência (que liquida com aposentadoria da maioria e o seguro social que protege os vulneráveis), e contra todos os cortes de verbas e leis de arrocho sobre a saúde, a educação e programas sociais!
O fruto que produzimos é resultado da semente que plantamos. Só alcançaremos vitórias se a mudança for feita dentro de um espírito de revolução social, sem conciliação, sem parlamentos, trazendo uma transformação completa das condições de exploração que vivemos. O bolo dos ricos é feito do que nos roubam. É nossa tarefa nos mantermos firmes na luta e nos prepararmos para tomar o que nos pertence. Lutar contra a pobreza e o aumento do custo de vida para o povo brasileiro e pela distribuição igualitária das riquezas. Lançar mão do que for necessário para dividir esse bolo, pois violentos são os que nos exploram.
Com autorganização e democracia direta, construir o caminho para cobrar essa dívida.
LUTAR E RESISTIR NAS RUAS!
8M NAS JORNADAS DE LUTA DAS MULHERES!
14M EM MEMÓRIA DE MARIELLE FRANCO E CONTRA A REPRESSÃO E AS POLÍTICAS DE MORTE DO ESTADO!
18M NA LUTA NACIONAL DA EDUCAÇÃO E PELA DEFESA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS!
A DERRUBAR ESTADO, CAPITALISMO E PATRIARCADO!
MULHER É RESISTÊNCIA NA LUTA POR VIDA DIGNA!