Em 1925, a costureira e militante anarquista Alzira Werkauser tomou a palavra e presidiu uma sessão do 3° Congresso Operário do Rio Grande do Sul. Nesta ocasião atuou como delegada sindical com mandato do sindicato dos alfaiates, costureiras e anexos. Alzira foi
ativa militante da resistência a opressão sobre as mulheres, da luta sindical das costureiras e das convicções anarquistas em uma peleia diária e incansável para mudar o mundo com socialismo e liberdade. Sua moção ao Congresso a que nos referimos levava intuitivamente, pelas misérias que padecia como mulher trabalhadora e mulher oprimida, aquela noção tão forte e tão feminista que pronunciou a comunera Louise Michel: “Tomem cuidado com as mulheres quando se cansarem de tudo o que as rodeia e se levantem contra o velho mundo. Nesse dia um novo mundo começará.”
Tinha posicionada a ideia de que as mulheres precisavam ter seu espaço
de autoorganização e falar em direito próprio para suas iguais. Que a ninguém poderia realizar essa tarefa senão as próprias. Que a luta das mulheres se articulava com o conjunto das lutas emancipatórias, contra a opressão patriarcal e a exploração capitalista. Que aos companheiros de movimento cumpria modificar as relações sociais, cotidianas e culturais que jogavam o fardo de muitas jornadas de trabalho e cuidados na vida das mulheres. Unidas contra o patrão e o Estado mas com a tarefas e os cuidados afetivos, do lar, da militância, devidamente socializados desde baixo.
Alzira é uma referência que não pode ser esquecida, seja pela ausência de uma imagem, de uma foto que faça lembrança, tampouco pelo caráter masculino dominante nas narrativas históricas, muito menos pelas próprias companheiras atuais de uma luta que não começou hoje e nem termina logo ali. Ela representa um tipo de feminismo, embrionário talvez, que se experimentou e aprendeu desde a pobreza e os ultrajes de uma época, que se nutriu de resistência e solidariedade bem de baixo e deu novos tons e cores para a bandeira libertária com sua pauta de gênero. Com ela se juntam a rebeldia das Irmãs Martins, Elvira Boni, Dorvalina Ribas, Maria Lacerda de Moura e tantas outras lutadoras sociais. A sua maneira, no seu tempo, fizeram curso inicial de lutas, sonhos e esperanças de um mundo novo onde as mulheres não são corpo sujeitado do sistema de dominação.
Que tome a palavra também neste mês de março de 2019 e que falem todas as
companheiras. Participem, lutem, decidam por igual, hoje e sempre. Nossa
melhor homenagem: continuar sua luta, nossa luta!
Moção de Alzira Werkauser ao 3° Congresso Operário do RGS de 1925.
“Na minha condição de mulher e, tendo de falar-vos, a respeito das
mulheres proletárias em geral, devo adverti-los que o faço na certeza de
muito deixar a desejar sobre o assunto. Não tomo só e simplesmente os
fatos recolhidos dos livros de estudos, senão da própria experiência,
portanto, poderá ter algum erro, nos assuntos particulares.
Mas não assim, nos seus aspectos gerais, por que como operária tenho
oportunidade de observar, vivendo essa vida de mulher produtora.
Dividirei esse problema em duas fases: a primeira, econômica. A segunda,
social.
Devo adverti-los ainda que só será um débil reflexo da vida real, por
quanto a mulher proletária está duplamente explorada na condição de
mulher e na condição de operária.
(…) A maioria delas tem que sustentar os filhos, mães, irmãs e a si
próprias; podem, por si os companheiros e companheiras imaginar, com a
carestia de vida, as dificuldades, as lutas, e as péssimas condições de
alimentação em que encontram as mulheres proletárias em geral.
É por isso que as vemos magras e abatidas, sem ânimo para lutar em favor
de sua própria existência.
Mais ainda quando tomamos em conta que a jornada de trabalho é de oitava
horas e mais, pois ainda há casos em que se trabalham de 14 a 16 horas,
como por exemplo, os trabalhos de chapeleiras, costureiras sob medida,
etc. Podemos ainda prever o estado de ânimo em que se encontram nossas
irmãs, que após fatigante trabalho e um mísero salário, tem necessidade
de fazer seus serviços domésticos; como já disse, a maioria são mães de
famílias, que tem necessidade de manter os seus e de ampará-los contra
as misérias da vida. Não nos devemos admirar da sua falta de ânimo e
tomemos interesses por nossas companheiras que, nem sequer tem o tempo
necessário para pensar na sua péssima situação e organizar-se ,
unirem-se para conquistar melhorias na sua vida. Por isso urge que a
companheirada que todos que estão organizados, prestem especial atenção
a essas irmãs abatidas e exploradas, tratando de levantá-las, animá-las
e traze-las À organização, cumprindo assim um dever para com elas.
Sabemos que a mulher é considerada como ser inferior e fraco devido a
certas influências religiosas que faz com que elas por si mesmas se
considerem sem o direito de lutar em favor de suas reivindicações. Vemos
em todas as indústrias o braço da mulher explorado miseravelmente como
produtora de mão de obra barata pelos capitalistas e compreendemos que
ninguém, senão elas mesmas, podem e devem lutar para o seu próprio
bem-estar. Mas temos a dura necessidade de incitá-las e animá-las para
que se defendam contra a tirania dos exploradores.
Essa responsabilidade pesa sobre as organizações operárias.
Por isso proponho que o Congresso tome uma resolução no sentido de
lembrar a cada organização operária a necessidade de fazer parte de suas
atividades, a organização das mulheres. Só desse modo, se poderá
melhorar a triste situação das grandes massas de trabalhadoras
femininas.
Como já disse, as minhas palavras só podem ser um débil reflexo da vida
real (…) só com sua organização, com a sua união poderão, um dia,
melhorar a sua péssima situação.
Temos a agregar que não podem nem devem esperar de nenhum partido político ou governo a sua defesa econômica, física ou moral, porque a história não registrou fatos dessa natureza, e se registraram, não passaram de migalhas, atiradas para acalmar ânimos irritados, num certo momento em que a miséria tenha sido insuportável, portanto proponho:
1° – Que a Federação Operária, bem como todos os sindicatos a ela
aderentes e, especialmente aquele que, em sua classe tenham como
camaradas as mulheres, nas oficinas, devem dedicar especial atenção para
organizá-las;
2° – Que nos periódicos como em boletins, palestras e conferências, se
devem dedicar de modo especial para levantar o espírito da mulher
proletária.”
Viva a luta das mulheres!
Alzira Werkauser, presente!