Dois pontos que eram extremamente graves caíram: o “plea bargain” e o excludente de ilicitude nas ações policiais. O primeiro acarretaria numa aceleração ainda maior do encarceramento em massa do povo negro e pobre, que aceitaria acordos com o Ministério Público para não passar pela longa ameaça do processo e condenações. Já o outro ponto, seria a legalização da morte pelas mãos da polícia, em que o discurso oficial finalmente encontraria a prática usual já exercida nas periferias brasileiras e que neste ano, teve recordes de execuções e assassinatos pelo Estado. As mortes não seriam mais decorrentes de “fatalidades”, mas do exercício lícito da força policial. O governo tornaria o Estado de Exceção vivido pelas periferias, permanente, simbolizado pelo que já representam a ação das polícias nas ruas, tornando justificáveis, as mortes em operações policiais. O judiciário brasileiro, altamente partidarizado pela direita, alinha-se cada vez mais ao bolsonarismo e ganhará um grande aliado com a aprovação deste pacote, mantendo a violência racista e o genocídio do povo negro e pobre como pilares fundantes do Estado brasileiro.
Entretanto, mesmo sem essas medidas, o pacote aprovado é mais sofisticado para a criminalização do que as propostas anteriores. Triplicou-se a pena para crimes contra a honra (Calúnia, Difamação e Injúria) praticados na internet; ampliou-se a pena máxima de prisão, de 30 para 40 anos, para “chefes de organização criminosa”; o rol de crimes hediondos também sofreu ampliação, quase como se todos os crimes cometidos com algum grau de violência passassem a ser hediondos; criou a figura do agente policial infiltrado virtual; do cidadão colaborador; policiais terão advogados pagos. Junto ao avanço das milícias em todo o território brasileiro e sua relação com a violência neoliberal, a perspectiva do pacote é dar mais poder a um espectro da classe política e a economia narco-miliciana, que sustenta setores da extrema-direita.
A atuação da polícia e o encarceramento seguem mais fortes com a aprovação desse projeto, ao mesmo tempo em que o Estado policial se insere em outros campos de guerra, como a internet (agente infiltrado), e também amplia a vigilância para além das bases estatais (cidadão colaborador).
Além disso, não podemos ingenuamente negar a possibilidade da aplicação da lei de Organizações Criminosas a movimentos populares e organizações políticas. As lideranças ou aqueles que forem lidos como opositores políticos e sociais pelo Estado, estarão sob a ameaça de 40 anos de prisão em regime fechado, tais como membros do Partido dos Panteras Negras nos EUA e outros tantos perseguidos políticos ao redor do mundo.
É impossível ignorar que tal projeto foi aprovado com voto favorável de nomes importantes da esquerda parlamentar, do PT, PCdoB e PSOL. É verdadeiramente vergonhoso que tais setores, por puro oportunismo eleitoral, sigam insistindo em apostar todas as suas fichas na estratégia parlamentar e burguesa, em um jogo de cartas marcadas, e concordem com o absurdo de votar favoravelmente num projeto tão destruidor para a luta e a vida do povo, sob o argumento grotesco de ser este texto “menos pior” do que o original.
Mais revoltante é vender a aprovação do texto como se este tivesse sido uma vitória! Como se o Estado, este organismo político da classe dominante, não viesse, desde a lei anti-terrorismo de 2016 (aprovada pelo PT), construindo um consenso conservador que se aguça com o golpe jurídico-parlamentar e constrói ferramentas para destruir qualquer possibilidade de luta popular radicalizada. Como se não tivesse, afinal, sido esse mesmo discurso do “menos pior”, do “não é o momento de criticar”, que tenha nos levado a um grau de conciliação de classes e ilusões parlamentaristas que todos os anos se renovam e desviam a energia dos lutadores sociais.
De outro lado, os ultraliberais e satélites do bolsonarismo, do NOVO e MBL, que a todo momento tentam se vender como algo mais palatável que o governo Bolsonaro, buscaram manter a excludente de ilicitude, demonstrando a sua verdadeira face inimiga e racista. Querem o povo das periferias, a juventude e a classe trabalhadora morta sob seus pés, num mar de sangue negro e pobre, tal qual faz o PSDB em São Paulo.
Contra qualquer discurso que identifique o neoliberalismo com redução do Estado, o projeto demonstra absolutamente o contrário. O pacote anticrime é uma tecnologia típica de uma governamentalidade neoliberal para fortalecimento do Estado em sua face mais violenta visando garantir os direitos privados. Estado forte para continuidade do exercício de poder capitalista e corte nos serviços sociais. Um Estado policial de ajuste que decide aprovar juridicamente a morte em larga escala.
Trata-se de uma legislação que dá ainda mais bases jurídicas para o exercício de um amplo poder policial e encarcerador, levando a um aprofundamento do encarceramento em massa, um dos tentáculos do genocídio do povo negro. Visam também, se preparar para quaisquer levantes que ocorram em solo brasileiro, olhando para os recentes exemplos do Haiti, Chile e Colômbia.
Outras medidas vem sendo discutidas, como o excludente de ilicitude quando houver decretos de Garantia da Lei e da Ordem; mineração e base de dados, sem autorização judicial, de pessoas suspeitas de terrorismo; ampliação dos crimes de terrorismos para atos políticos, etc. Nenhuma dessas propostas, como demonstrado na aprovação do pacote anticrime, será barrada no parlamento. Apenas nas ruas, com organização e independência, poderemos fazer frente aos constantes golpes do Estado e do Capital.
Contra o genocídio do povo negro e o encarceramento em massa, nenhum passo atrás!