Declaração das Jornadas Anarquistas 2019

Tradução para o português da declaração das Jornadas Anarquistas realizadas em março de 2019. Versões em espanhol e inglês podem ser acessadas no site Anarkismo.net.

JORNADAS ANARQUISTAS 2019
Porto Alegre

Nos tempos atuais, a confusão política é grande: se renovam velhas práticas que conduzem ao mesmo porto, como no caso das várias ofertas eleitoreiras que prometem que não vão se desviar do caminho de uma política “madura e responsável”, enquanto aumenta em nível mundial a pobreza, a precarização, o desemprego, as migrações de milhões de seres humanos de modo desesperado, enquanto cresce o desconsolo, ganham terreno propostas autoritárias e neoliberais e se produzem golpes de Estado de caráter técnico que favorecem a retomada do timão do Estado por parte da burguesia mais rançosa – nada pode escapar do controle e, nesse cenário, a política imperialista dos EUA e da União Europeia espalham no tabuleiro mundial suas fichas e seus interesses. Assim, com variantes em cada região do planeta, aumenta a população chamada de “sobra”, destituída de tudo que é elementar para viver e também cresce em volume e problemática a população que sofre vários níveis de precarização. Um mundo projetado cada vez para menos gente, cada vez menos para uma população “integrada” plenamente ao sistema mundo capitalista, já que aumenta a precaridade, a segmentação, a segregação e a sobrevivência. E, no outro extremo, a consequente concentração da riqueza cada vez em menos mãos.

Essa realidade, com variantes, a gente conhece bem. Não haverá transformação dessa situação por vias que o sistema deixa abertas (eleições, governos, parlamentos, sistema judicial), já que todas essas estruturas estão montadas para perpetuar a ordem burguesa e para aprofundá-la. É por isso que se faz necessária e urgente uma saída própria para os povos, uma saída sobre a qual os/as anarquistas organizados/as temos muito a dizer e contribuir.

A ação do Anarquismo Politicamente Organizado – ou Especifismo – tem muito a dizer e contribuir em uma estratégia de luta efetiva, mas também temos a aprender e nos renovar nesta conjuntura. Estamos convencidas que o Anarquismo deve ser operativo, ágil e estar sintonizado com as novas realidades sociais para enfrentar a dureza que esse sistema impiedoso impõe às de baixo. Mas, para isso, reiteramos que o Anarquismo deve se organizar politicamente. É a Organização Política que permite fomentar nas e nos militantes as discussões e debates necessários, fazer as análises de conjuntura pertinentes, definir os planos de ação e desdobramento, afinar a tática com precisão, mas também desenvolver uma estratégia finalista e a adequação dela para cada período de ação, a cada conjuntura – o que chamamos Estratégia em Sentido Estrito – e desenvolver os aspectos técnicos necessários inerentes à organização política. Tudo isso em uma constante interação com o meio social: a Organização Política tem sua razão de ser na inserção social do Anarquismo, justamente para torná-la mais eficaz, incidir e se sustentar em processos de desenlace popular.

Portanto, fazer coisas sem planejamento no meio social não chega a ser inserção. Na inserção a gente dedica a vida, porém é necessária, junto com ela, a Organização Política, esse pequeno motor que impulsiona o movimento popular. A Organização Política Anarquista, na concepção especifista, não é vanguardista, mas de abnegação militante, com a finalidade de incentivar e orientar um processo de ruptura revolucionária com ampla participação do povo organizado, respeitando profundamente o específico desse nível. Chamamos esse processo de Poder Popular: processo de construção dos organismos de poder do povo que vão substituir as estruturas de poder burguês. Então, inserção social e organização política andam de mãos dadas e se articulam horizontalmente, de um modo muito diferente dos que foram propostos e desenvolvidos por todos os vanguardismos da esquerda até o momento, que não fizeram nada além de limitar o desenvolvimento das organizações populares e instrumentalizá-las como “aparatos” úteis a seus partidos. Por isso o Anarquismo Especifista fala de Povo Forte e não de “partido forte”, como disseram todas as correntes do marxismo. Defendemos um Povo Forte, um povo construtor de seu destino e de suas instâncias e graus de liberdade, segundo suas próprias experiências de luta, de desdobramentos e de avanços no processo de ruptura.

Desde já um bom tempo na América Latina a gente vem fazendo um esforço constante, com toda a modéstia de nossas forças, no sentido de impulsionar o Especifismo. Avançamos uma parte considerável do caminho. Mais do que isso, hoje o Anarquismo Organizado tem presença e sustentação em países onde praticamente havia desaparecido. Ele incide em nível popular de maneira forte. Temos que continuar essa trajetória, temos que lhe dar um “empurrão”, ajudar a fazê-lo avançar. Precisamos que o Especifismo, vale dizer o Anarquismo Politicamente Organizado, cresça e se fortaleça em outros países e regiões. Consolidar processos que vêm se cimentando, a passo sereno, calmo porém firme. No mesmo sentido, podemos dizer que é necessário crescer e se fortalecer em outras regiões do planeta.

Estamos falando de Organização Política com Carta Orgânica, Declaração de Princípios, funcionamento regular de suas instâncias e prática de Federalismo, elaboração e cumprimento dos planos de trabalho para cada meio social, planos para tarefas próprias da Organização, propaganda e difusão das ideias e do posicionamento político geral e concreto para cada meio e circunstância.

Mas a Organização Política também é a encarregada pela elaboração de teoria, digamos das ferramentas de análise para conhecer a realidade, interpretá-la e poder atuar com maior rigor e eficiência nela. Entendemos essa tarefa de construção teórica como uma tarefa de primeira ordem e de necessária troca entre as Organizações de forma permanente.

O desenvolvimento da Organização Política deve acontecer no contexto do desenvolvimento da inserção – e junto com ela – nas diferentes frentes de trabalho. Muitas vezes há possibilidades limitadas de desenvolver uma inserção em todas as possíveis frentes de trabalho ou nas que definimos como prioritárias pelo seu pertencimento de classe ou pelo peso social de determinado setor nas noções ideológicas que ele produz. Porém temos que ter em conta essa limitação e operar nesse sentido, planificar um trabalho de inserção ou aproximação a certos setores que permitam fazer crescer nossa orientação nos mais vastos setores populares.

São essas ferramentas em comum – junto com as práticas políticas – que permitem mostrar um estilo e uma matriz militante em comum, mas também uma proposta e um projeto de sociedade em comum. Do mesmo modo, temos uma crítica em comum contra o sistema de opressão capitalista. Apresentar um corpo em comum, em nível internacional, fortalece a nossa corrente e o nosso posicionamento. Logicamente, com as particularidades de cada país ou região, as quais enriquecem o processo global.

Mas queremos insistir na necessidade de potencializar o Especifismo e fazer uma espécie de “relançamento” internacional da nossa corrente, ou dar a ele força e consistência, enraizando organizações onde ainda não estamos presentes, fortalecer as que existem e fortalecer os laços entre nós.

Os tempos que estão vindo demandam uma ação concertada e com solidariedade permanente entre as organizações, com o necessário apoio mútuo que potencializam os trabalhos de inserção concretos e as frentes de ação, mas também que amplificam nossa voz e nossa proposta de modo geral. No mesmo sentido, esses tempos demandam de nós maior rigor militante e maior formação política do conjunto de nossa militância. É preciso também gerar os instrumentos e as ferramentas necessárias para estar à altura das circunstâncias que estão vindo.

Portanto, nesta instância das Jornadas Anarquistas, abordamos e acordamos as seguintes propostas:

1) Consolidar os processos de construção de organizações específicas.

2) Estreitar os laços de solidariedade e intercâmbio entre as organizações de forma cotidiana, incluindo a apropriação, por parte das organizações, da página Anarkismo.net, de modo a difundir nossas atividades, posições e materiais. Essa página deve ser a plataforma de lançamento de nossa corrente e nosso projeto político e social.

3) Trabalhar em conjunto para a construção de nossa teoria e nossas ferramentas de análise. Já existem materiais em circulação, mas podemos estabelecer outros e identificar temáticas a serem pesquisadas e trabalhadas em conjunto (por exemplo, Poder Popular, Resistência etc.).

4) Avançar na coordenação entre as organizações de cada região (Europa, América do Sul) e estabelecer as organizações responsáveis por acompanhar e apoiar outros processos em outras partes do planeta.

5) Prever rumos de ação geral nos próximos anos e eixos de trabalho, assim como os apoios necessários do exterior (por exemplo, diante do avanço da extrema direita em países da Europa ou da intensificação repressiva na América Latina).

Assinam:
Coordenação Anarquista Brasileira (CAB)
Federação Anarquista Uruguaia (FAU)
Federação Anarquista de Rosário (Argentina) (FAR)
Organização Anarquista de Córdoba (Argentina) (OAC)
OSRL Anarquismo Organizado (Buenos Aires, Argentina)
Núcleo Pró-Federacão (Chile)
Coordenação de Grupos Anarquistas (CGA-França)

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