FAG – 20 anos a enraizar anarquismo

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Entre os dias 20, 21, 22 e 23 de novembro a FAG/CAB realizaram um conjunto de atividades programadas para as comemorações do 20° aniversario de vida militante desta organização política anarquista. Foram momentos de fraternidade libertária, de debates e cultura política, afirmação da concepção especifista para as lutas de classe e dos povos oprimidos. Onde o emotivo também fez sua presença. Brindaram gerações que não tem visto cansados seus esforços. Trocaram experiências, aportes e solidariedades delegações de distintas partes do Brasil, América Latina, Europa e Estados Unidos.

Um plenário sindical de militantes da CAB tomou lugar para fazer planos e afiar as ferramentas de luta no movimento dos trabalhadores. As companheiras fizeram seu debate no dia 22. Como contexto geral uma feira libertária em praça pública com charlas diversas, livros e materiais de propaganda, teatro e música popular. Dia 23 uma reunião internacional de delegações para firmar pactos de apoio mútuo, discutir elementos de concepção para um anarquismo forte politicamente e inserto nas lutas sociais, gerar internacionalismo desde as conjunturas concretas e as estruturas do poder que tocam nossos povos.

O Ato Público se fez num teatro cheio no coração do centro de Porto Alegre. Entre os oradores a FAU, a FAR, o cancioneiro popular libertário e “rompidiomas” de Chito de Melo. Por fim a palavra de CAB e FAG. Ambiente muito concentrado no que era exprimido pelos oradores e com uma emoção que não disfarçava as alegrias e as recordações do caminho percorrido até aqui. Cartas de adesões vindas de muitos lugares, sopros de generosa saudação a este momento tão especial. Saúdos em própria voz de Alternativa Libertária da França, Alternativa Libertária/FdCA da Itália, Federação Anarquista Rosa Negra dos Estados Unidos, Grupo Via Libre da Colômbia, núcleo sul do Congresso Comunista Libertário do Chile. No encerramento do Ato, um desfecho simbólico marcado de lenços vermelho e negros ao som de A Internacional.

Aqui reproduzimos os textos de apoio dos oradores do ATO:

DISCURSO DA COORDENAÇÃO ANARQUISTA BRASILEIRA – CAB

ATO 20 ANOS DA FAG
Porto Alegre, 21 de novembro de 2015.

A CAB faz sua saudação a este Ato Público que se realiza quando cumpre 20 anos a nossa Federação Anarquista Gaúcha.

Não se trata de uma trajetória militante isolada num canto do país, digamos de passagem. São 20 anos percebidos dentro das coordenadas de uma construção nacional e de um vivo e incansável trabalho pra fortalecer a resistência libertária num marco regional latino-americano. Internacionalismo que se faz desde o pedaço de mundo que nos toca atuar, que não ignora, em nome de um cosmopolitismo de propaganda, o complexo e específico processo histórico-cultural que nos conforma como região. Projeto onde cooperaram muitas mãos, culturas e sotaques brasileiros, do qual a FAG é uma das expressões.

A Coordenação Anarquista Brasileira pretende ser uma ferramenta de união militante, escola de lutas e capacidade política para atuar em contextos históricos concretos. Nos reconhecemos como parte somada na caminhada das rebeldias que vem de baixo, das lutas insurgentes contra as relações de dominação, os dispositivos e estruturas opressivas que atravessam nossa formação social. O Anarquismo não é a “planta exótica” que sugeriu o discurso do poder quando se referia ao brasileiro como um povo dócil, estranho aos conflitos. Antes que um setor do movimento operário levantasse a ideologia anarquista como sua bandeira de combate anti-sistema, aqui deixaram seu caudal de resistência e liberdade as lutas indígenas, quilombolas e populares contra o escravismo-colonial.

A formação da ordem burguesa, do mercado capitalista, do Estado nacional e das ideias, valores e crenças que produzem a norma onde se reconhece o “povo brasileiro”, foram construídos pela guerra social sancionada pelos vencedores. Tem o sangue rebelde que peleou batalhas contra o genocídio, a escravidão, o saque e a violência colonialista, a propriedade da terra, o racismo de estado até chegar nas formas da exploração do trabalho assalariado no regime das fábricas.

Mais que comemorar os 20 anos de vida da FAG, o Anarquismo brasileiro comemora 20 anos de um projeto militante que faz luta e organização com as classes oprimidas e com as cores de nosso povo. História peleada que não começa com a gente e também não termina conosco. Jornada que tem seus passos, tropeços, provas e ajustes e que na modéstia e com firmeza afia ferramentas para um posto de combate libertário. Criar um mundo novo que tem que ser peleado hoje, com meios que se articulam ao cotidiano, inseparável das noções de um imaginário radical carregado de socialismo e liberdade.

Esse lugar no mundo, com tantas riquezas naturais e culturais, de formação mestiça, contrasta com desigualdades brutais que reservam os privilégios e o poder político e econômico para uma fração das classes dominantes associadas com a estrutura do imperialismo. Sociedade marcada por estruturas de dominação que operam pelas classes, pelo racismo e por toda sorte de violências que segregam e oprimem. Dispositivos de poder que classificam na vida cotidiana os sujeitos de direitos, selecionados pela competição perversa do mercado, e os sujeitos de exceção governados pelo Estado penal. Pesa forte na nossa formação social uma ideologia que normaliza tanta miséria e injustiça, dor e tragédia de setores populares jogados ao azar, convivendo ao lado de tanta ganância, soberba e impunidade ostentada pelos de cima.

***

Compas:

A narrativa triunfalista do crescimento econômico, do pacto social feito com os capitais com vocação “desenvolvimentista” pra fazer crescer o bolo nacional e ajeitar um lado pros mais pobres, veio abaixo. A locomotiva da desapropriação de bens e produção de commodities minerais e agrícolas para o mercado freiou com a desaceleração da China. Todo o frenesi das mega-obras e da especulação imobiliária foi desmanchado pós-copa pelo escândalos de propinas e os esquemas que sangraram a Petrobras para o benefício do empresariado e das campanhas eleitorais. O novo setor dos trabalhadores integrados, pela lógica financeira, no mercado de consumo, vê subitamente as dívidas, o aumento dos preços e o desemprego cobrarem caro pela fantasia de “nova classe média” que vendeu o governo. O que se chamou entre analistas de distintas lentes de neo-desenvolvimentismo foi um vôo de galinha que mal começou bater as asas e despencou.

O cenário recessivo mundial toca o país. Desde o começo do ano está em cena um ajuste violento contra o povo, representado por um pacote de medidas que corta direitos adquiridos dos trabalhadores, aumenta os preços administrados pelo Estado que atingem o custo de vida das massas e arrocha o orçamento público e do seguro social para pagar os juros dos agiotas da dívida pública.

O sistema financeiro reforça seus controles sobre os gastos públicos. Seus quadros ocupam setores privilegiados na máquina do Estado, constituindo uma equipe blindada junto a Joaquim Levy, formada nas idéias da escola de Chicago. O cassino global especula com a fome dos povos ao converter alimentos em commodities no mercado capitalista e ao torná-los derivados financeiros. Os juros adotados pelo COPOM causa um impacto bilionário na dívida pública, gerando lucros fantásticos ao capitalismo rentista e dando a essas corporações um poder privado sobre os recursos nacionais. As montadoras transnacionais usam de milhares de demissões e do expediente das férias coletivas para ajustar seus planos ao novo cenário. A patronal força por mais flexibilização do trabalho com a lei das terceirizações. O Programa de Proteção do Emprego ofusca uma bandeira histórica do movimento operário condicionando a redução de jornada com redução de salários, financiados com fundos do FAT- Fundo de Amparo ao Trabalhador.

Como dissemos: uma conjuntura de deterioração acelerada do modelo de pacto social e de políticas residuais de ajuda social dos setores populares integrados pelo mercado de crédito e pelo consumo e do modelo de geração de empregos precários vinculados ao regime flexível das obras e serviços.

O desfecho do segundo turno das eleições presidenciais de novembro de 2014 ligaram o alerta para um escandaloso estelionato eleitoral em curso manobrado pelo governo reeleito. Foram enterrados os votos do “menos pior” ou a esperança das regiões mais pobres de que os direitos, o trabalho e condições de vida não seriam castigados pela recessão. O segundo mandato de Dilma, ao longo do ano, afundou o modelo de controle social que vinha se corroendo pelo tempo junto com a calamidade da situação internacional e evoluiu, violentamente, para as pautas da austeridade, das barganhas da direita alugada e a precarização dos direitos trabalhistas reclamados pela ofensiva patronal.

Ao lado do desengano dos seus eleitores, agrega-se o impacto no imaginário social dos escândalos das redes de corrupção que as investigações da Policia Federal com a operação Lava Jato tem apurado. O espólio e o saque de recursos da Petrobrás pelas redes do poder político e econômico colocam em evidência conexões corruptas que capturam banqueiros, políticos de todas as cores e empresários que controlam os capitais que festejaram como ninguém o crescimento atribuído aos melhores anos da administração do PT. A rigor, estão todos de rabo preso. Esse é o sistema corrupto e criminal dos de cima, assim funciona suas estruturas fundamentais e assim agem seus operadores privilegiados. No entanto, é o PT em particular que recebe os holofotes por ser a autoridade máxima na gestão da máquina. A “corrupção” representada sob um viés moralista possibilita o oportunismo da direita opositora. Também é o artifício de pressão das oligarquias aliadas ao governismo. Por sua vez, os monopólios informativos tiram partido dessa situação para livrar uma luta ideológica implacável contra toda cultura de esquerda, atacando movimentos populares, direitos sociais, trabalhistas e bens públicos.

O discurso da estabilidade dos últimos vinte anos, produtor de sentido das relações do sujeito com o governo e as instituições e enquanto técnica de controle da vida das massas, sofre uma pressão desestabilizadora. Foi a prática do PT no governo de coalizão junto do PMDB que afundou este modelo. Em princípio foi o refresco, foi o fator político de um pacto de classes que desarmou o antagonismo social ao sistema. Agora é o fator detonador que frustrou as expectativas que vinham por esquerda, e ao se acomodar às estruturas de poder, jogou água no moinho da direita. Cooptou as utopias de parte da esquerda do Fora FHC e dos Fóruns Sociais Mundiais capturando pelas instituições de Estado a força social dos de baixo, desorganizou e fragmentou a classe trabalhadora e os setores oprimidos. Por correlação deu lugar, voz, gabinetes, verbas e lugar pro coro reacionário gritar em massa na ruas e jogar na confusão setores populares.

A tragédia é que as decepções, os fracassos e as capitulações ao modus operandi do sistema ativaram um recalque coletivo que conduz a um rebaixamento das expectativas gerais da sociedade com a política. Deixa lastro ideológico para os discursos de ódio que fazem aparecer rebentos de fascismo na classe média ou de fundamentalismos religiosos entre os populares.

Mensalão, petrolão, cortes de direitos sociais, privatização de infraestrutura e reservas, “Plano de Desinvestimento da Petrobras”, jogam definitivamente o PT na vala comum da política burguesa e produzem uma dilatação confusa e ambígua dos sentidos de esquerda e direita. A cena política privilegia as luzes e as sombras de um discurso polarizador que seleciona e narra os acontecimentos conforme uma lógica binária que exclui o desejo e os interesses das maiorias. Temos uma disputa mais feroz entre setores das elites dirigentes e as classes dominantes pela direção da máquina do Estado. Não é rigorosamente uma luta de classes, onde se enfrentam setores populares contra a burguesia e seus conexos. É uma luta de poder entre vizinhos do mesmo condomínio particular, que jogam seus efeitos de subjetivação no povo ao qual se reserva historicamente, quando muito, a área de serviços.

Os setores populares do país vêm sentindo cada vez mais os efeitos dessa conjuntura de aumento do custo de vida, de recortes nos benefícios sociais, falta de água e luz, desemprego, crise urbana e ambiental. A deterioração do governismo e do sistema político está agravando o desencanto com o modelo capitalista brasileiro. A insatisfação cresce por todos os lados e em alguns momentos chega a derramar pra fora dos velhos recipientes, das normas e das regras que o sistema reserva para sua canalização.

As jornadas de junho de 2013 puseram a insatisfação social e distintas e as vezes controversas demandas de setores populares e médios nas ruas. Abriram um espaço de indeterminação na política nacional ao fugir das regras dos conchavos oligárquicos, dos lobbies corporativos e os acordões entre partidos que formam o expediente normal da governabilidade. Por alguns momentos, correram por fora do jogo do poder capturado pelas instituições burguesas, formas sociais de protesto, de rechaço e saturação do sistema que escaparam do monopólio oficial da luta política, romperam o preto no branco e fizeram vazão de um imaginário social que é irredutível a polarização das elites.

Nos rastros do alegórico discurso de melhoria na condição de vida dos brasileiros apresentados nos programas de propaganda da gestão Petista vem à tona a dor dos povos desterrados, das mães que choram os filhos vítimas do racismo da cadeia e do extermínio, os moradores despejados de suas casas, os atingidos pela sanha predadora das empreiteiras e mineradoras, os trabalhadores estafados pelo regime de exploração, a juventude revoltada com seus horizontes negados.

Há poucos dias atrás fomos golpeados com a notícia da maior tragédia sócio-ambiental da história recente do Brasil. Ainda neste mês, 5 de novembro de 2015, o distrito de Bento Rodrigues em Mariana, interior de Minas Gerais, foi literalmente soterrado de lama tóxica depois do rompimento de duas barragens de rejeitos operada pela mineradora Samarco, propriedade das empresas Vale e BHP. As imagens são espantosas. Um povoado inteiro arrasado, dezenas de mortos e desaparecidos, entre elas crianças, cerca de 700 famílias desabrigadas, destruição da infraestrutura de bens e serviços públicos, contaminação irreparável do meio ambiente, e danos a toda a bacia do rio doce que abastecia a região, da terra cultivada pelos trabalhadores do campo. Afetando também cidades do Espirito Santo segundo estimativas de técnicos cerca de 3.000 km2 no litoral norte e uns 7.000 km2 no litoral ao sul, atingindo três Unidades de Conservação marinhas do território capixaba. Os estudos preliminares indicam alta concentração de metais pesados no meio ambiente, pois amostras de água coletada, por exemplo, apontam um índice de 1 milhão e trezentos mil por cento acima do tolerável.

Os rastros de morte que avançaram de Mariana ao Espírito Santo pra nada se referem a uma fatalidade natural. Tragédia que tem a marca tóxica e repugnante de seus proprietários. Do arranjo burocrático-corporativo que viola as licenças ambientais, que desrespeita a vida e os bens comuns para o deleite dos seus acionistas. O poder voraz e assassino do capitalismo extrativista escreve mais uma página da ação predadora e ecocida do sistema.

Em outro lugar do país, região centro oeste, estado do Mato Grosso do Sul, ao crescimento da produção da carne, da soja e da cana as cadeias do agronegócio fazem prospecção de negócios com a invasão violenta dos territórios indígenas Guarani e Kaiowá, Terena e Kadiwéu. O discurso de ódio das oligarquias se traduz em um repertório de ações atrozes sobre esses povos. Assassinatos e emboscadas, pulverização de veneno sobre as terras e águas da aldeia, cerco armado sobre os locais de conflito, mortes de crianças por fome e inanição. Em fins de agosto Semião Vilharva, kaiowá, foi assassinado com uma bala na cabeça de calibre 22 em mais um ataque de pistoleiros a soldo do ruralismo. A policia e a justiça são coniventes, aparelhos articulados na mesma estrutura do poder dominante.

Nos últimos 12 anos foram assassinados 390 indígenas no estado e 586 se suicidaram. Contabilidade sinistra do genocídio, produção de commodities para o mercado global com o sangue de um massacre covarde e implacável sobre os povos originários. Fatura da classe ruralista e da especulação financeira sobre a fome dos povos pelo modelo mortal e imundo do agronegócio.

No nordeste brasileiro, no último dia 12 de novembro, a chacina da Messejana, periferia de Fortaleza, deixou 11 mortos e vários feridos. Destes 10 jovens e metade menores de idade. Os moradores contam que policiais fardados agiram durante a madrugada, invadindo casas e arrastando as vítimas. Execução sumária da policia que dizem ter sido motivada por represália a morte de um soldado, durante assalto. No princípio do ano os policiais da Rondesp da Bahia, depois de executarem 12 jovens na chacina da Cabula em Salvador, foram estupidamente agraciados pelo governo estadual e ganharam a impunidade da justiça.

Em Osasco, mês de agosto, a chacina acabou com a vida de 19 pessoas. Noite de terror na periferia paulista acossada pela fúria sanguinária do grupo de extermínio da policia militar. Por regra geral, pobres e negros são o alvo.

Das mais de 56 mil mortes por homicídio no Brasil divulgada pelo Mapa da Violência de 2014 mais da metade são de jovens e destes 77% são jovens negros. O sistema prisional tem cerca de 600 mil presos e destes maioria jovem e quase 70% são negros. A polícia militar do RJ responde por 15% dos assassinatos do estado. O extermínio da juventude negra volta a apontar o Estado como uma máquina de matar, arrebentar, punir e prender os de baixo.

Em fins de outubro uma mobilização de mais de 5 mil companheiras ganhou a Cinelândia no Rio de Janeiro para dar luta contra um projeto de lei que corre no congresso nacional para modificar o atendimento de mulheres vítimas de violência sexual. O projeto de autoria do presidente da câmara Eduardo Cunha ataca os direitos femininos e criminaliza o aborto da gestação que resulta do estupro. O protesto se espalhou em várias capitais do país. A violência contra mulheres em 2013 registrou uma média de 13 homicídios por dia. A cada 1 hora e 50 minutos uma mulher é assassinada nesse país, a quinta posição do feminicídio mundial. Entre as negras um aumento de 54% dos homicídios em 10 anos. Números que certamente não podem mensurar todo o universo de violências sexuais e simbólicas a que estão sujeitas. Essas micro relações do poder reproduzem e conservam uma ordem sociocultural que oprime debaixo do patriarcado mais da metade da sociedade.

O capitalismo brasileiro tem avançado a passos largos para a terceirização e junto com ela o trabalho precário e mais vulnerável ao poder dos patrões, o aumento dos acidentes de trabalho. De cada 10 acidentes 8 são de terceirizados. Acrescenta-se jornadas esticadas por horas extras, salários baixos e repressão da organização de classe nos locais de trabalho. Violências de classe que estão codificadas nas técnicas e nos modos de gestão da força produtiva dos trabalhadores, poder que mata, mutila e invalida. O discurso da economia dominando como valor supremo, que faz da tragédia operária de todos os dias mola propulsora do crescimento capitalista.

Extrativismo depredador do meio ambiente, dos modos de vida e parasita dos bens comuns. Genocídio indígena. Encarceramento e extermínio da juventude e do povo negro. Violência estrutural sobre as mulheres. Regime de precarização dos trabalhadores. Ajustes que cortam fundo na carne do povo. Lei antiterrorismo que amordaça a ação direta popular e faz a “segurança jurídica” dos abutres do sistema capitalista. A formação social brasileira produz sujeitos historicamente (des)qualificados como bucha de canhão. Toda uma produção subjetiva que age nas relações sociais e que funciona pela rotina das instituições, naturaliza a tragédia social e sofrimento dos de baixo e faz dos privilégios e das posições de controle na hierarquia social um prêmio pra quem “merece”. A democracia que promete o sistema é a verdade cruel e traçante de quem joga nas regras do seu mecanismo de seleção. Os direitos para quem tem o mérito de tê-los. Punição para quem não aceita, de uma ou outra forma, o jogo da injustiça e a brutalidade: os desajustados, os indesejáveis.

O Brasil não tem saída a curto prazo que não venha pela mão dos concertos que vem de cima, do palco do sistema corrupto da democracia burguesa, do golpe do ajuste na carne do povo que cobram as classes dominantes. Tampouco das velhas fórmulas de frente popular das burocracias do sindicalismo e dos movimentos sociais atados ao governismo. Mas a luta de classes e dos povos oprimidos terá vazão com ou sem o PT e qualquer especulação que possamos fazer sobre o futuro do governo da república. As estruturas do poder dominante o ajoelharam e o fizeram jogar nas suas regras, como um partido da ordem, um personagem que se equivale com todos os outros no balcão de negócios da moeda podre do sistema.

O ajuste do Governo Dilma tem previsão de um corte de 32 bilhões em 2016 que atinge a saúde, a educação, moradia, programas sociais e os trabalhadores dos setores públicos. No congresso nacional, avançam as pautas de restrição de direitos das mulheres e da livre orientação sexual, violação dos territórios indígenas e quilombolas, desmonte da legislação ambiental para as mineradoras, a infame Lei Anti-terrorismo cobrada pelo sistema financeiro. Estados e municípios sangram o orçamento dos serviços públicos para pagar a dívidas infames.

E o povo reage!!!! Os petroleiros pelejam com greve contra a venda de ativos da Petrobrás e o leilão de campos de exploração ao capital transnacional.
Em São paulo até o momento mais de 70 escolas foram ocupadas por estudantes e professores contra a reforma do ensino do governo do PSDB que fecha 94 escolas e atinge a educação de cerca de 300 mil alunos.

Os trabalhadores da Usiminas fazem luta pelas táticas de ação direta ao plano de 8 mil demissões anunciado pela empresa.
Em Cubatão a resistência operária e a disposição de não ceder os empregos e enfrentar a patronal pela greve foi severamente reprimida pela polícia e coagida a volta ao trabalho.

As marchas contra o genocídio do povo negro ganham expressão em várias partes do país.

Os sem teto ocupam terrenos e prédios.

Camponeses, indígenas e quilombolas lutam sem trégua pela terra e contra o complexo do agronegócio, das mineradoras e as mega-obras de infraestrutura e energia como o da Belo Monte.
Teimosos das famílias de pescadores tradicionais e dos pequenos agricultores do 5o distrito de São João da Barra no RJ que resistem as remoções que beneficiariam o complexo logístico do Porto do Açu terminal do maior mineroduto do mundo que rouba minério de ferro do solo da cidade Conceição do Mato Dentro MG, rasgando a vida de 33 municípios em mineiros e fluminenses desembocando matéria-prima pro capital transnacional.

A CAB não faz aposta no quanto pior melhor da mesma forma que não cai na armadilha do menos pior. Nossa concepção anarquista parte das resistências que produz esse drama cotidiano, encontra seus modos de ser no antagonismo ao sistema, como ideologia que conjuga liberdade, justiça e apoio mútuo na experiência diária desses combates. Toma a ferramenta da organização política em articulação com as dinâmicas das lutas sociais, aprende, elabora e se une com elas. Não faz exercício diletante no alto da torre vigilante dos princípios puros e estáticos. Desafiado a arriscar suas críticas, propostas e ações no interior dos problemas que tocam os oprimidos, as classes trabalhadoras e os setores populares, a autodeterminação dos povos, os direitos étnicos-culturais, das mulheres e da diversidade sexual, a ecologia social e a defesa dos bens comuns.

Como já dissemos: somos partidários de um programa de lutas pra construir um povo forte, que não troque sua independência de classe por cargos, favores ou razões governistas. Como pequena mas resoluta forças de combate ao lado dos oprimidos continuaremos como sempre nas lutas que vem de baixo, fora do governo e da colaboração com os patrões. E vamos construir resistência junto com quem luta por soluções práticas, sem renunciar nossa intenção libertária e socialista, com o sentimento de que nada podemos esperar que não seja de nós mesmos.

Ir tecendo pelas práticas da democracia de base e o federalismo, por dentro do sindicalismo classista e dos movimentos populares, a rede de solidariedade que seja vetor de uma frente dos oprimidos. Desenvolver a musculatura de um povo forte pela ação direta popular. Gerar a cultura e os valores de um mundo novo pelo exercício das formas de poder popular que vem de baixo.

Contra o ajuste econômico e
a criminalização do protesto e da pobreza.
A rebeldia não se ajusta.
Sempre com os que lutam.
Lutar e criar Poder Popular.

DISCURSO DA FAG

Boa noite companheiros e companheiras

Estas últimas semanas têm sido muito especiais para nós anarquistas da FAG. Receber companheiros e companheiras de distintas partes do Brasil, da América Latina e do mundo para juntos celebrarmos um pedacinho dessa rica história do anarquismo, nos enche de alegria! Aqui encerramos um ciclo para começarmos um novo. Um ciclo de maior organização; de maior firmeza em nossos vínculos e em nossos laços de fraternidade e solidariedade; de reafirmar a luta, o protagonismo popular e a transformação revolucionária das nossas relações e da nossa sociedade como os únicos caminhos fecundos para romper definitivamente as amarras desse sistema sanguinário que nos oprime todos os dias.
São 20 anos de construção anarquista nacional. São 20 anos de FAG, de OSL, de FAO, de CAB, de FARPA, de Rusga Libertária, de CALC, de FARJ, de CABN, de ORL, de FACA, de OASL e de muitos outros que com seus esforços vem forjando anarquismo militante, classista, com raízes na história de combate do nosso povo. Duas décadas cultivando raízes anarquistas para que floresça bela e forte o poder do povo, o Poder Popular.

Na ocasião do Ato Público de 10 anos da FAG dizíamos:

“Nascemos porque morreram homens como Mikail Bakunin, Errico Malatesta, Nestor Makhno, Sepé Tiaraju, Zumbi dos Palmares. Nascemos porque morreram mulheres como Espertirina Martins, Malvina Tavares, Anastácia, Anita Garibaldi e tantos outros e outras anônimas ou não que morreram defendendo a justiça e a liberdade.

Nascemos pelas mesmas mãos que o anarquista Djalma Feterman usou para atirar uma bomba disfarçada de buquê de flores, que carregava a também anarquista Espertirina Martins com seus 15 anos de idade, na carga de cavalaria da Brigada Militar durante a Guerra dos Braços Cruzados em 1917.

Nascemos pelas mesmas mãos que pegaram em armas no Uruguai, enfrentaram a ditadura, foram torturados e presos, porém, não desistiram: já completaram meio século e foram decisivos para a formação da FAG neste canto do Brasil: assim foi o apoio generoso da FAU, presente conosco hoje e sempre.

Nascemos e renascemos todos os dias pelas mesmas mãos das pessoas simples, gente humilde, que nas suas mãos, carregam as marcas de ser parte dos de Baixo.

Dizem por ai que pobre vive de teimoso. Foi por teimosia que a FAG nasceu. É por teimosia que continuamos vivos e lutando e vamos completar mais dez anos insistindo em dizer que é somente o povo organizado e em luta que vai conseguir conquistar tudo o que precisa e quer.”

E aqui estamos companheiros e companheiras, 10 anos depois, cumprindo e dando continuidade a um Compromisso, a uma Idéia, a uma Prática: O SOCIALISMO COM LIBERDADE!!!

Não tem sido tarefa fácil. Nossa busca tem sido sempre a de fazer do anarquismo uma ferramenta atual e à altura das diferentes conjunturas que nos toca viver e atuar. Uma ferramenta dinâmica, que nos permita ampliar coletivamente as forças que individualmente seriam muito limitadas; um anarquismo militante e organizado que construa junto, ao lado dos de baixo, propostas concretas contra os ataques dos de cima. Um anarquismo prático, dotado de táticas e de um programa mínimo e, ao mesmo tempo, uma anarquismo finalista, dotado de um programa estratégico e de longo prazo. No fim e ao cabo, um anarquismo político que contra e por fora do Estado solucione o problema do Poder, do que colocar no lugar das instituições burocráticas, centralistas e autoritárias do Sistema de Dominação Capitalista.

Um anarquismo Federalista, Autogestionário, que produza com suas práticas, métodos, críticas e experiências, uma ideologia de transformação. Sem vanguardismos, ditaduras ditas proletárias, vocação pra partido único. Pois não se trata de fazer da Política a tarefa de conduzir um Estado, seja ele qual for, em nome das classes oprimidas para daí impor a nossa vontade enquanto povo às classes dominantes. Trata-se de fazer da Política a tarefa de construir um Povo Forte, com seus instrumentos, instituições, ferramentas que vão gestando o novo na medida em que vão golpeando e destruindo o velho. Colocaremos no lugar do Estado e de seus aparatos as instituições das classes oprimidas, construídas desde baixo, articuladas e coordenadas entre si.

Como já escrevemos em outro momento,

É certo que o trânsito até uma sociedade distinta deve ser feito dentro deste sistema. Mas a experiência vivida indica que existem meios, orientações, uso de instrumentos, de instituições e formas de organização de atividades sociais que devem ser dispensados se queremos ir conformando forças sociais capazes de produzir verdadeiras mudanças nas formas da organização social. É imprescindível outro enfoque se queremos ir construindo uma sociedade distinta. Não parece ser boa estratégia escolher aquelas vias, aqueles lugares e trajetos que tem dono e o poder de imprimir seu selo ao que ali entra. Quantas organizações políticas, quantos lutadores cheios de ideais e sonhos terminaram pensando com a lógica do sistema e vendo como inimigos a seus queridos companheiros de ontem.

Outro sujeito histórico não virá do nada, não aparecerá como arte de magia, deve ser o fruto de práticas que internalizem outras questões que chocam com o dominante. A participação efetiva, a autogestão, a ação direta, a forma federal de funcionamento realmente democrático, a solidariedade e apoio mútuo, necessitam de mecanismos, organizações, práticas regulares para seu desenvolvimento. E só se produzida no povo é que a mudança se tornará uma realidade.

Uma estratégia que tenha em seu interior um mundo distinto que vai emergindo desde o seio de outro que lhe é antagônico. O famoso “usar todos os meios” pode ser uma maneira efetiva de assegurar que não se construa nenhuma estratégia antagônica portadora dos elementos de desestruturação do sistema vigente.

Relacionado a isso, está a necessidade de forjar um inconfundível estilo de trabalho.

Um estilo de trabalho também é elemento da produção ideológica, se define como um modo especial do fazer político-social em todos os seus atos, no discurso, no comportamento de grupo, nas relações entre companheiros e com a sociedade, nos planos de ação, etc.. A ideologia libertária se materializa, é produzida e reproduzida, entre outras coisas, nessa forma estimulada de representar seus valores, sua ética e aspirações nas práticas de todos os dias. Assim, o estilo de trabalho que marcamos nos processos de luta e organização, em uma boa medida, vai dizer quem somos pelo que fazemos, como fazemos, com que coerência ideológica estão formados nossos atos de organização militante.
Reconhecer entre iguais a dignidade do outro, como irmãos na luta e no projeto para mudar a sociedade, sempre será a base da estrutura e das normas jurídicas que constituem um pacto federativo. A fraternidade que permeia um projeto militante dá o vínculo moral fundamental para formação das relações de confiança. E a política, como apontam as investigações teóricas que temos estudado, tem suas razões e suas sem razões. Não é só feita de escolhas racionais, tem boas doses de conteúdo sensível, está atravessada pelas formações ideológicas que constituem o sujeito.

Está em jogo uma pedagogia do exemplo, a forja de referências a partir daquilo que fazemos, pelos valores que veiculamos em nossas práticas, e nas nossas ações diárias.

O estilo pra promover nessa perspectiva deve produzir: iniciativa pras tarefas, responsabilidade plena com os mandatos coletivos, resoluta solidariedade, pedagogia do exemplo, liderança moral, maturidade para crítica, exigência fraterna, preocupação formativa.

São esses alguns dos desafios a que nos propomos todos os dias ao participarmos do movimento sindical, do movimento estudantil, na militância nos bairros, vilas e favelas; nas lutas urbanas, contra as violências de gênero e raça; no campo e na floresta e em toda ação de solidariedade aos enfrentamentos da diversidade dos sujeitos que compõe as classes oprimidas. UNIR O DISPERSO, ORGANIZAR O DESORGANIZADO, SOLIDARIEDADE É MAIS DO QUE PALAVRA ESCRITA, RODEAR DE SOLIDARIEDADE OS QUE LUTAM, são algumas consignas que expressam bem de que transformação social estamos falando.

Porque é mais importante para nós CRIAR UM POVO FORTE do que UM PARTIDO FORTE. Uma nova articulação entre o POLÍTICO e o SOCIAL, como dois planos de ação simultânea e devidamente articulados. Mas cada um com sua independência relativa, com sua própria especificidade. Somos assim partidários de um trabalho simultâneo, dentro de um mesmo projeto: da organização política libertária e do trabalho em todo o campo social.

Esse é o nosso especifismo, essas são as bases da nossa construção.

E que Base precisamos para esses tempos difíceis em que estamos vivendo. Já vivemos épocas difíceis, pois quem não se lembra do ataque aos profesores, aos catadores e aos sem terra no governo Yeda do PSDB, em que o sempre presente Elton Brum da Silva foi assassinado com um tiro de calibre 12 pelas costas pela Brigada Militar? Ano em que tivemos nossa sede pública invadida e companheiros procesados. Quem não se lembra dos 10 mil gaseificados, das balas de borracha, das pauladas, da violência psicológica e da nova invasão de nossa sede pública assim como de casas de outros lutadores sociais na jornada de lutas de 2013 durante e sob as ordens do governo Tarso Genro do PT? Ano em que companheiros foram procesados, presos e criminalizados em processos judiciais políticos e ideológicos.

2013 merece nossa consideração a parte, pois foi um ano intenso e atípico para nossa militância. Participamos desde o inicio das jornadas de luta por um transporte 100% público em Porto Alegre. Construímos juntos e em unidade com outros setores da esquerda o Bloco de Lutas pelo transporte público e fizemos días memoráveis lado a lado de milhares de lutadores. Não poderia ser diferente. Assim, Porto Alegre formou parte de um processo nacional de lutas que brindou novos elementos para nossa análise. Diziamos na ocasião de nosso 6º Congresso:

“O povo fez dias de luta no país que se fizeram irreprimíveis em junho. A luta por um transporte público coletivo, que é organizada por militantes de esquerda de um movimento social que leva anos, e a indignação com relação aos altos gastos na Copa das Confederações em detrimento de outras áreas como saúde, educação, etc.; deu vez a um turbilhão de demandas que latejavam na vida neurótica, precária e estafante dos setores médios e populares. Grande parte da geração jovem e combativa que forma as mobilizações de massa dessa hora cresceu nos últimos 10 anos de governos do PT e encarna a expressão conflitiva e saturada do seu modelo capitalista de crescimento econômico.

Traz na bagagem a confusão e as incertezas que se gestam numa nova experiência com a política, com um imaginário nos protestos que sacodem o mundo, muito apoiada aos modos de interação e reconhecimento social que produzem as novas tecnologias de comunicação. O povo em conceito amplo não opõe classe contra classe e joga na cena dos acontecimentos uma disputa de ideias, de valores e projeto social para atuar criticamente, com uma concepção classista em dia com a formação social brasileira dos tempos que vivemos. Contudo, não temos dúvidas que o movimento que vem debaixo é o terreno mais fértil para fazer luta de classes, construir democracia direta e desenvolver músculos para uma estratégia de poder popular.

Na gestação dessa nova correlação de forças a luta contra o aumento das tarifas do transporte coletivo é a expressão mais articulada de uma avalanche de sentimentos e demandas reprimidas que extrapolam os controles dominantes da sociedade brasileira.

As chamadas jornadas de junho e julho foram, portanto, expressão do descontentamento com o quadro acima descrito. Indicam, por sua composição, magnitude e mesmo pelas formas com que foram convocadas em algumas cidades, mudanças e elementos a tomar em consideração na hora de concebermos uma estratégia própria daqui pra frente.”

Levando em consideração estes e outros elementos, procuramos caracterizar o período (a etapa) em que estávamos entrando como uma ETAPA DE RESISTÊNCIA COM VIÉS COMBATIVO. Por este conceito, sem referência com velhos esquemas que sugerem um traçado reto e linear do processo social-histórico, quisemos representar um cenário político para os fatores de cambio social e os elementos característicos de uma correlação de forças na sociedade.

“A luta das classes oprimidas e do projeto socialista passa uma etapa de refluxo, de restruturação dos meios organizativos, de ações dispersas e fragmentárias que não alcançam formar um conjunto com elementos ideológicos e programáticos que façam um antagonismo forte ao sistema. Uma parte importante dos setores populares, das organizações e sindicatos, embarcam nas velhas promessas do crescimento econômico e se curvam para as ideias do neodesenvolvimentismo. Há uma crise de movimento social, de organizações de base, de forças acumuladas pela luta que superem atos espontâneos e alcancem a ação federada. Estão seriamente ajuizadas pela história recente as estratégias de esquerda que buscam mudanças sociais por dentro das instituições funcionais as relações do poder dominante. O tempo é de divisão de águas, ajuste de lentes para pensar as condições e possibilidades da relação de forças do momento. Exige capacidade de inserção de um projeto finalista revolucionário no interior dos problemas e conflitos deste presente histórico. Trabalho de base entre as demandas populares que não são absorvidas pelos controles do modelo capitalista, na direção de um povo forte, de práticas de ruptura que favoreçam a construção histórica de um sujeito antagonista as estruturas do capitalismo.”

Neste sentido concreto e operativo que aplicamos esta categoria para fazer baliza de condições e possibilidades de nossa prática política. Contudo, tinham emergência na cena dos acontecimentos históricos, ventos novos que nos provocaram uma leitura mais matizada, elementos conflitivos com certo peso ideológico que indicavam abertura para um passo diferente. Percebíamos a possibilidade de uma acumulação de forças combativas que até então estava fora de nosso panorama.

Deriva daí nossa aposta estratégica expressa no conceito de intersetorial dos combativos:

“vamos operar nesta etapa com uma proposta militante para ligar o espectro das lutas sociais que confrontam com o modelo dominante do capitalismo brasileiro com um programa mínimo de soluções populares. Ajudar na forja de unidade de baixo pra cima, criar um povo forte que imponha na cena nacional uma nova correlação de forças pra aplicar um projeto de transformação social.

Nessa linha atravessa o trabalho metódico e determinado de radicar nossas posições libertárias em organizações de base, em sindicatos, coletivos e movimentos sociais que serão nosso vetor social. Mas vai além. Implica fazer uma costura com outros setores sociais e políticos que atuam também onde não alcançamos, não pisamos, pra formar um campo de alianças dentro de princípios e acordos que fortaleçam uma posição de força para a independência de classe. Que favoreça, concorra e apoie a gestação de uma nova estrutura de massas, catalizadora do poder social das classes oprimidas, articulada pelas bases, que não se integre nas vias burocráticas dos controles institucionais burgueses.”
Desde então muita água rolou. Entramos no ano de 2015 e novos elementos se apresentaram na conjuntura do RS. O eleito ao governo estadual, o gringo José Ivo Sartori do PMDB, veio para aprofundar os ataques aos direitos e condições de vida dos de baixo. Aprovou um pacote de medidas que cortou fundo na carne do povo oprimido em benefício da manutenção dos privilégios e lucros de governos e patrões. Parcelou salários do funcionalismo estadual, quis extinguir orgãos públicos fundamentais à pesquisa e preservação ambientais e cortou verbas de áreas imprescindíveis aos trabalhadores como as de saúde e educação. Sem falar na sua brigada militar que segue matando a juventude negra e pobre nas periferias.

“Ao lado do ajuste que saca dinheiro dos hospitais e postos de saúde, das escolas, programas sociais, da ampliação do espaço comum e da rede de serviços públicos que aumentam bem estar e condições de vida do povo, é martelada diariamente, sobretudo pela voz do grupo RBS, a bandeira da segurança. O grupo de comunicação que é bom pagador de propina pra sonegação fiscal, dono de um patrimônio que figura na lista seleta das elites gaúchas, avaliza o ajuste e faz campanha de terror e medo pra reclamar mais segurança. Aí está! Segurança é um discurso que dá sentido e faz funcionar um poder de controle e vigilância que institui a paz para a vida normal do sistema e dos bem nascidos e que instala a guerra que pune e criminaliza a pobreza. A segurança que ecoa fundo nas preocupações das elites e da classe média é a que sempre reforça a violência policial sobre as “classes perigosas”.

“Faltam recursos porque os capitalistas reservam os privilégios e os lucros para suas propriedades e estouram as contas públicas nas costas do povo. Todo um sistema de pilhagem que funciona pelo mecanismo da dívida pública, que espreme o patrimônio construído pelos trabalhadores, que desmonta e privatiza bens públicos e produz um discurso econômico liberalóide de déficit e responsabilidade fiscal. Os partidos de governo se sucedem sempre dentro desta ordem: uma camisa de forças do sistema que todos vestem. O PT subscreveu os contratos com o Banco Mundial durante o governo Yeda Crusius que ampliou o poder do sistema financeiro sobre o controle dos gastos públicos. Na sua vez no Piratini, Tarso Genro teve que amargar a pena de devedor do Piso Nacional do magistério.”

Um contexto em que frente aos ataques dos de cima, houve luta e resistência dos de baixo.

“Uma série de setores sociais dão fôlego a seus processos de mobilização e indicam a disposição de luta para dar combate a lógica imposta pelos de cima que precariza a vida do povo. Diversas mobilizações e ações de rua que no nosso entendimento contribuem para o fortalecimento da organização, capacidade de enfrentamento e acúmulo de forças dos de baixo para o próximo período. Experiências como as greves em curso, os piquetes, as manifestações de rua, o diálogo com a população e os cortes da via pública em todo o Estado são ensaios de um processo que não termina aqui.”

Infelizmente, as burocracias sindicais fizeram de tudo para frear os ânimos e conduzir as rebeldias populares para a arena institucional de seus partidos da ordem. O desespero e a indignação dos trabalhadores frente a essa política de austeridade não encontraram eco e canais adequados para a promoção de uma luta sem trégua que alterasse a correlação de forças em seu favor. Acelerar pisando no freio e manter o controle e a ordem das ações de base das categorias foram e são marcas de uma concepção sindical burocratizada e verticalizada que não se movimenta no sentido de organizar e dar impulso a disposição de luta da base.

A mobilização do funcionalismo público estadual, em especial os trabalhadores em educação gaúchos, é um exemplo emblemático dos resultados nefastos de tal concepção sindical. Deslegitimar e isolar as iniciativas combativas de setores de base; apostar numa greve unificada com setores da repressão; fazer da categoria base de apoio a politicagem de seus deputados na Assembléia Legislativa; promover fragmentadas paralisações para fingir que faz pressão nos políticos de turno ao invés de promover, organizar e favorecer uma greve por tempo indeterminado com a solidariedade e participação dos estudantes e das comunidades para dar uma resposta a altura dos desmandos do governo; são alguns dos feitos responsáveis pela desmobilização de uma categoria que há anos não se mobilizava como se mobilizou.

E como não seria diferente…

“Nessa conjuntura, a criminalização veio forte. Por lutar, rodoviários da Carris em solidariedade a paralisação estadual do dia 03/08 foram demitidos, e os servidores municipais da Assistência Social e da Saúde de São Leopoldo-RS sofreram processo de criminalização judicial. Esses são nítidos exemplos de perseguição política e sindical e é emblemático o caso da Carris em que os demitidos são militantes sindicais que tiveram seu direito ao trabalho anulado.

E ainda sobre o aparato repressivo

Duas prisões na capital durante uma Manifestação de trabalhadores da Educação vinculados ao Cpers. Além desse fato, cabe destacar a intimidação realizada pela “segurança” nos piquetes no Centro Administrativo Fernando Ferrari (CAFF) e o assassinato, pelas costas, de um jovem negro no Morro Santa Tereza, em Porto Alegre. Esses são nítidos indícios de que a repressão nunca estará ao lado dos trabalhadores e dos de baixo e que seu papel é de repressão aos que lutam e de extermínio da juventude negra e pobre das periferias.
“Nem com os que mandam por cima, nem com os que reprimem por baixo!” diziamos.

Nacionalmente, uma conjuntura de intensificação nos ataques aos direitos dos trabalhadores, do golpe dos ajuste fiscal que corta na carne e no bolso dos de baixo para manter os privilégios e os lucros dos de cima, de aumento da violencia contra as mulheres, em especial as mulheres negras, de retrocesso nos processos de demarcação das terras indígenas e quilombolas; de aumento da criminalização da pobreza e do protesto; de cortes de verbas na educação e de forte investida de setores conservadores contra uma educação transformadora; de lei dita “anti-terrorista” mas que na verdade é uma lei contra os movimentos sociais. Tudo isso no marco de um lastro político e ideológico de desarme organizativo das classes oprimidas deixados por 12 anos de governo petista. Esses são alguns dos elementos atuais que precisamos ter em conta na hora de atuar.

Um novo ciclo também parece se abrir na politicagem e nas disputas entre vizinhos de um mesmo condominio, o dos de cima. Uma nova descontinuidade que vai reelaborar elementos gestados no pasado recente para manter a dominação político, económica e ideológica de sempre. Assim, afiar os nossos instrumentos para uma conjuntura e quem sabe uma etapa mais peleada para os de baixo é demanda permanente. Nossa FAG e nossa CAB estará ai! Assim como estarão ai nossa FAU, nossa FAR e todos os nossos companheiros e companheiras que de cima a baixo de nossa América Latina e de todos os outros continentes vem construindo processos de luta e organização.

São curdos, africanos, norte americanos, mapuches, kaingang, chilenos, uruguaios, argentinos, brasileiros, quechuas, palestinos, gregos, guaranis, espanhóis, zapatistas, entre tantos outros povos, os que lutam, se erguem contra as opressões, forjam exemplos, inscrevem pelas suas práticas, referências! É sobre todos que a criminalização se coloca. É assim, uma luta que deve ser feita em conjunto e a partir da diversidade de lutas, de combate as opressões e dominações que cada segmento dos de baixo levanta!

É porque não esquecemos os milhares de Eltons, de Claúdias, de Amarildos, de Zumbis, de Dandaras, de Elenas, de Pochos, de Idilios, de Espertirinas, de Hebers, de Louises, de Lucys, de Polidoros, de Domingos, de Emmas, de Marias Lacerdas e de tantos outros homens e mulheres inscritos em nossa memória com seus exemplos de luta e resistência que ESTAMOS AQUÍ!

E AQUÍ ESTAREMOS ATÉ O FIM DESSE SISTEMA DESUMANO E CRUEL CHAMADO CAPITALISMO!

QUE VENHAM MAIS 20, 30, 50, 100 ANOS A ENRAIZAR ANARQUISMO!!!

NÃO TÁ MORTO QUEM PELEIA!

VIVA A FAG, VIVA A CAB!

VIVA A ANARQUIA!!!

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